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terça-feira, 30 de julho de 2013

A DOMADORA DE GANSOS - Frances Clarke Sayers


A DOMADORA DE GANSOS 
Por 
Frances Clarke Sayers 
                   - Vovô Lauro, onde estão os miosótis? perguntou Lucinda, na manhã seguinte à sua chegada. Olhei por todo o jardim e não vi nenhuma flor por lá... 
                  - Ah! sua dorminhoca...  disse Vovô. À noite passada, quando passamos pelo campo, você estava dormindo. As flores nascem lá, e como fica perto daqui, esta tarde, quando eu voltar da reunião, talvez leve você para vê-las. 
                  Lucinda vivia numa cidade grande e, pela primeira vez, estava  visitando seus avós, que moravam no interior do Estado. Eram sempre eles que a iam visitar na cidade, mas este ano o pai de Lucinda a deixara passar uns tempos com a Vovó e o Vovô. Ela já  estava com seis anos. Sempre que os avós a visitavam, falavam numa florzinha azul que nascia em suas terras. Lucinda nunca vira miosótis e estava agora curiosa.   
                   Depois do almoço, Vovô Lauro pegou-a pela mão e levou-a para ver a fazenda. Era uma fazendola apertada entre colinas, com a sua casinha branca, o celeiro vermelho e o grande cata-vento espetado no alto da colina maior.
                   Havia três vacas, um bando de galinhas brancas e uma porção de porquinhos pretos. 
                   No todo de uma das colinas, estavam as alas de figueiras. Olhando para o lado direito da colina, Lucinda avistou a represa da nascente, onde cinco gansos brancos nadavam e passeavam pela margem. 
                     - Gansos! disse Lucinda. Vamos descer para vê-los! Mas Vovô Lauro impediu-a de correr pela colina abaixo. 
                     - Não, não, Lucinda! avisou ele. Você não deve aproximar-se dos gansos. Eles são muito bonitos, mas muito bravos. Quando vou levar-lhes comida, atacam e me escorraçam a bicadas. Esticam os pescoços compridos e avançam para beliscar. Todos os outros animais são meus amigos, mas esses gansos... Eles são terríveis! Fique longe deles, está bem? 
                     Lucinda chamou-os de longe. 
                     - Alô, gansos! disse ela. 
                     Nenhum deles virou sequer a cabeça em sua direção. 
                     - É uma pena que eles sejam assim, Vovô. Eu acho que gostaria de gansos... 
                     Naquela tarde, enquanto Vovô foi à reunião e Vovó fazia sua sexta no sofá estofado com crina de cavalo, Lucinda pegou  a sua caixinha de música e saiu para o pomar de figueiras.
Vovô e Vovó tinham lhe dado aquela caixinha quando ela fizera seis anos, alguns meses antes. 
                     Na tampa da caixa havia  uma pastora de cabelos soltos e louros. Ela estava sentada debaixo de uma árvore, tocando uma flautinha. 
                     Lucinda subiu pelo tronco liso de uma das árvores maiores. Estava fresco lá em cima, à sombra das folhas largas. Um pouco abaixo, perto do lago da represa, estavam os gansos. Eram uma beleza à luz do sol. O maior dos gansos, o macho, estava quieto, de pé numa de suas patinhas amarelas, com a cabeça debaixo da asa. Um dos outros beliscava a lama doce da lagoa, abanando a cauda com satisfação. Outro se esponjava  na terra seca e com as asas levantava uma nuvenzinha de poeira à sua volta. 
                    - Seus velhos bravos! gritou Lucinda lá do alto. 
                    De repente, ela viu qualquer coisa mover-se pela colina abaixo, em direção ao lago. Era Barnabé, o gato da Vovó. Ele cheirava o ar, e devagarinho, bem devagarinho, pé ante pé, foi descendo. Lucinda ficou a olha-lo. Lá ia ele, sem barulho, com o andar característico dos gatos, pé cá, pé lá... Chegou, sem ruído algum, a uma moita de capim. Ai ficou agachadinho, com a cauda ondulante, olhos brilhantes, esperando, esperando...
                    Súbito, o ganso maior, o macho, sacudiu a cabeça, tirando-a de debaixo da asa e baixou a outra patinha escondida. Ele avistou Barnabé. Grasnando para os outros, partiu para cima do gatinho,  de asas abertas. 
                    Um terrível assobio saia do seu bico. Barnabé virou-se e como um raio correu colina acima. Quanto mais depressa corria o gato,mais corriam os gansos, beliscando a ponta do rabo de Barnabé, que miava de dor. 
                    Lucinda desceu da árvore e correu aos gritos: 
                    - Chôoo... Chôoo... e abanava os braços no ar, procurando assustar os gansos. 
                    Tropeçou e caiu, largando a caixinha de música, a sua bonita caixa prateada! Essa foi rolando, rolando pelo declive da colina. Toda a vez que o botão tocava o chão, a música se fazia ouvir. 
                    Quando Lucinda tomou fôlego, já Barnabé estava trepado no tronco para livrar-se dos gansos. 
  Estes já não estavam furiosos. Parados, esticavam os pescoços, sacudiam as penas, moendo as cabeças para um lado e para outro, procurando alguma coisa perdida no ar.  Foi então que Lucinda se lembrou da figura na tampa da caixa de música: a pastora com os gansos ao seu redor...
                    - Ah! Então é de música que eles gostam... Foi isso que os fez parar, disse ela. 
                    Levantou-se e correu a apanhar a caixinha de música, que,embora estivesse um pouco amassada pela queda, ainda fazia soar a sua melodia. Lucinda deu-lhe corda e a música singela encheu o ar, mais forte, mais alegre que nunca. Um a um, os terríveis gansos alinharam-se atrás do macho e marcharam atrás de Lucinda. 
                    Ela desceu a colina e deu volta à lagoa. E em redor, para cima e para baixo, lá iam os gansos sempre a segui-la . Entrou no pomar e no seu rastro iam os gansos. Cruzou por entre as figueiras e os animais a seguiam, enfeitiçados pela música. 
                    Assim que Barnabé notou a mudança, esqueceu a cauda machucada , desceu da árvore e veio juntar-se à fila, seguindo atrás  dos gansos. Lucinda voltou-se para ver a cauda ondulante de Barnabé no fim da fila, e não pode deixar de rir, satisfeita com o seu sucesso. Levou-os até o celeiro e daí trouxe-os para casa. 
                    Vovó Maria veio à porta. Lá estava Lucinda comandando os cinco gansos e o gato, andando em volta do canteiro das rosas. 
                    - Ah! Lucinda, sua feiticeirinha! disse ela.  
                    Nesse momento, Vovô vinha chegando com as mãos atrás das costas. Lucinda marchou com a sua permissão em direção do avô. 
                   - Olhe o batalhão! Ra-ta-plaã-plã-plã... cantava ela. Vovô arregalou os olhos de surpresa.
                   - Você conseguiu domá-los! disse ele espantado e encantado ao mesmo tempo. 
                   Batendo os calcanhares e perfilando-se, levantou a mão escondida, empunhando um lido ramo de miosótis, que ofereceu a ela. 
                    - Miosótis para Lucinda! disse ele. Para Lucinda que domou os gansos. Vamos todos marchar...
                    E juntou-se ao grupo, marchando atrás do ganso cinzento. 
                    - Venha, Vovó... Chamou Lucinda contente.
                    - Pois eu vou, respondeu ela resoluta, tirando o avental para desfralda-lo como bandeira.
                    E assim foram eles: Lucinda, e os cinco gansos, Barnabé abanando a cauda, Vovô e os miosótis e Vovó com o avental fazendo de bandeira. Andaram em volta dos canteiros e foram para o lago. Lá deixaram os gansos, agora comportados. Estes ficaram quietos ali à beira do lago, sem compreender o que havia acontecido. 
                   Naquela tarde, depois do lanche, Vovô levou Lucinda na charrete, para ver o campo florido de miosótis. Lá, ela viu as florzinhas azuis espalhando-se pelas colinas e campos até o horizonte, como cascatas de águas azuis. Milhares e milhares de flores...
                   - Agora eu já sei, disse Lucinda, as miosótis são tantas, que você e Vovô não precisam viver na cidade perto do mar. Vocês já tem um aqui, brilhando como se fosse de verdade, num dia de sol!
                     E é esta a história de como Lucinda viu as miosótis formarem  um mar de flores e como descobriu por que a pastora tocava flauta para seus gansos, na tampa da caixinha de música.
NOTA: Esta historinha   foi extraída de Bluebonnets for Lucinda, e adaptada  pela escritora Diva de Souza Coelho.
Nicéas Romeo Zanchett 
 
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quarta-feira, 24 de julho de 2013

A BELA ADORMECIDA - Nicéas Romeo Zanchett


A BELA ADORMECIDA 
 Adaptação: Nicéas Romeo Zanchett 

                 Havia um rei e uma rainha cujo maior sonho era ter um filho que pudesse, um dia, assumir o reinado em seu lugar. 
                  Dizia a rainha: 
                  - Ah! Deus poderia nos conceder a graça de um filho!
                  Mas o tempo passava e seu sonho parecia cada vez mais distante.
                  Um dia, estando a rainha a banhar-se num rio, saltou para junto dela uma rã que lhe disse:  
                   - Não se preocupe, minha rainha, antes de um ano verás seu desejo realizado, pois terás uma filha. 
                   Conforme predisse a rã, depois de alguns meses a rainha teve uma filha, tão linda que o rei ficou louco de alegria.

                   Para comemorar o acontecimento, o rei mandou providenciar uma grande  festa, para a qual convidou não só os parentes e amigos, mas também as fadas para que protegessem sua filha de qualquer mal. No reino havia treze  fadas, mas como só tinha doze pratos de ouro, em que pudessem comer, uma dela não pode ir à festa.  
                    O banquete transcorreu em grande pompa, e, no final, cada uma das fadas presenteou a menina com um dom milagroso; uma deu-lhe virtude, outra formosura, a terceira, riquezas, e assim por diante. Mal a décima primeira fada acabou de falar e eis que entra de repente a décima terceira, que estava muito magoada por não ter sido convidada, e sem saudar ninguém disse em voz alta: 
                   - No dia em que a princesa fizer quinze anos irá se ferir com um tear e cairá morta. 
                   E saiu da sala sem dizer mais nada. Todos os presentes ficaram assustados; mas, então, adiantou-se a decima segunda fada, que ainda não havia dado o presente que lhe correspondia, e, não podendo evitar o mal que sua companheira predissera, procurou aliviá-lo e disse:  
                   - A princesa não morrerá; apenas cairá num profundo sono, que durará um século, e, decorrido esse  tempo, despertará. 

                   O rei, que queria livrar a sua querida filha de tão grande desgraça, deu ordem para todos os teares do reino fossem queimados imediatamente. 
                    A jovem princesa chegou a possuir todas as perfeições que as fadas  lhe haviam concedido, e assim, era muito formosa, amável, modesta, ajuizada, de maneira que todos quantos a viam sentiam grande amor por ela. 
                    Ao chegar o dia em que fazia os quinze anos, a jovem estava só no palácio, sem seus pais; o rei e a rainha tinham saído. Por curiosidade, começou percorrer todos os corredores e salas e acabou chegando a uma torre muito elevada. Subiu uma estreita escada de caracol e chegou a uma portinha. A chave estava no buraco da fechadura e ela a abriu a porta e entrou; no quarto havia uma anciã que estava tecendo o seu linho. 
                    - Bom dia, vovozinha!, disse a princesa. O que está fazendo aqui?  
                    - Estou fiando, respondeu a velhinha baixando a cabeça. 
                    - Que é isso que moves com tanta agilidade? continuou dizendo a pequena adolescente. E logo pegou no  tear para fazer aquele tipo de trabalho que achou muito interessante; mas, tão logo lhe tocou, realizou-se a profecia  ferindo um dedo. 

                    No mesmo instante em que sentiu a picada adormeceu profundamente, e aquele seu sono espalhou-se por todo o palácio. O rei e a rainha, que acabavam de chegar, e também todos os demais membros da corte, adormeceram com ela.  Os cavalos adormeceram  na estrebaria, os cães no pátio, as pombas no telhado; o fogo que ardia no fogão de lenha apagou-se e a comida deixou de ser cozida; também todos os ajudantes e criados adormeceram no mesmo instante.  Ninguém ficou acordado e o reino foi tomado por absoluto silêncio. Até o vento deixou de soprar e nem as folhas das árvores do jardim tornaram a mover-se. 
                     O reino parecia uma cidade morta. Em breve, em torno do palácio, começou a crescer uma mata que a cada dia se tornava mais fechada, até que o cobriu por completo. A bandeira, que estava no alto da torre, foi escondida pela folhagem da mata. 
No país todos contavam a lenda da formosa princesa adormecida e, de vez em quando, alguns príncipes iam até aquele lugar, onde faziam todos os esforços para penetrar no palácio, mas eram impedidos pela floresta fechada; havia muitos espinhos que impediam a passagem como se tivessem mãos segurando quem tentasse. Muitos jovens que forçaram o caminho para  passar acabaram presos aos espinhos e morreram ali mesmo. 
                    Depois de muitos anos, um belo príncipe chegou àquele país e ouviu um velhinho contar a história da princesa adormecida. Ele lhe contou sobre a floresta fechada e o palácio, no qual, a um século, dormia a formosa princesa e todos os habitantes do antigo reino. Ele também alertou o príncipe que seu avô já contava que muitos príncipes tentaram entrar e acabaram morrendo por lá mesmo.
                     Então disse o jovem:  
                    - Eu não tenho medo e chegarei até a bela adormecida. 
                    O bom velhinho ainda tentou dissuadi-lo dessa decisão, mas, como não conseguia, acabou desistindo. 
                    Precisamente neste dia fazia cem anos desde que o fato aconteceu à família real e seus dependentes. Era chegado o momento em que a princesa deveria acordar, mas precisava que alguém a viesse despertar.
                     Quando o príncipe chegou à mata encontrou-a transformada em um lindo roseiral, que abrindo-se ao sol o deixou passar, fechando-se, em seguida, atrás dele. Ao chegar ao pátio e à estrebaria, viu que os animais ainda estavam dormindo; olhou para o telhado e viu os pombos com a cabeça de baixo da asa, e quando entrou no palácio notou que até as moscas estavam adormecidas nas paredes. O cozinheiro estava na cozinha em atitude de chamar os ajudantes e a criada perto de um galo que parecia querer depenar. Um pouco mais longe viu no salão toda a corte a dormir, e o rei e a rainha dormindo nos respectivos tronos.  Tudo estava tão tranquilo que se podia ouvir a respiração de todos.

                     Depois de andar por todo o palácio, chegou à torre, onde dormia a princesa; abriu a porta, entrou e ficou admirando a serenidade e beleza da princesinha. Era tão linda que nem conseguia desviar o olhar. Inclinou-se e tocou-lhe suavemente; e tão logo a tocou, ela abriu os olhos, acordou e ficou olhando-o carinhosamente. Então levantou-se e  juntos desceram para despertar o rei, a rainha e todos os membros da corte, que se entreolhavam sem entender o que havia acontecido. Naquele mesmo momento, os cavalos acordaram nas estrebarias e começaram a relinchar; também os cães balançavam a cauda ao levantar-se, e os pombos  no telhado, tiraram as suas cabecinhas de baixo das asas, olharam em volta e voaram; as moscas recomeçaram a andar pelas paredes no mesmo instante em que o fogo reanimou-se na cozinha e continuou cozendo a comida; o cozinheiro deu um empurrão no ajudante, que começou a chorar, e a criada acabou de depenar o galo. 
                     No dia seguinte o rei mandou preparar uma grande festa para celebrar o casamento da princesinha com o príncipe que veio de longe para despertá-la. 
                     Depois de muitos anos o rei e a rainha morreram, o príncipe assumiu o trono e, então como rei e rainha viveram felizes por muitos anos. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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domingo, 14 de julho de 2013

MARIO E LUÍZA FORAM AO MOINHO


MARIO DE LUÍZA VÃO AO MOINHO 
Nicéas Romeo Zanchett 
                  Esta é uma historinha tão antiga que se perde na noite do tempo. 
                  Havia uma família de sete irmãos que morava no sul do Brasil. Lá o inverno é muito frio e intenso; e os filhos ajudam os pais nas tarefas do dia-a-dia. 
                   Numa certa manhã, quando a geada ainda cobria os campos e o sol ainda não havia acordado, dois irmãos tiveram a incumbência de ir ao moinho. Por determinação dos pais, eles deveriam levar, cada um, alguns quilos de milho para moer e retornar logo para casa. 
                   A distância era bastante longa e era preciso ir bem agasalhado para não pegar um forte resfriado. O caminho era lindo e distraia as atenções dos irmãozinhos. 
                   Os dois irmãos tremiam de frio, mas como as sacolas não eram lá muito leves, e ambos caminhavam depressa, o exercício ajudava-os a aquecer o corpo.  Mas, como ainda era bem cedo, havia muita geada no caminho e era preciso tomar cuidado para não escorregar.
                   Depois de algum tempo, chegaram ao moinho, e ali havia muitos passarinhos que moravam nas florestas próximas; pareciam procurar alguma coisa para comer. Como nada encontravam, piavam de frio e fome.  
                    Ao verem Luíza com o saco de milho, olharam-na com certa tristeza; como se tivessem pedindo ajuda. A boa menina não se conteve de dó e resolveu ajudá-los. 
                    -Coitadinhos, Mário! Estou com vontade de jogar um pouco desse milho para eles. E sem dizer mais nada, atirou vários punhados de grãos, que logo foram recebidos com gratidão. 
                    - Que você está fazendo, Luíza? disse Mário. E  como ficará a farinha de nossa família?  Vai voltar para casa sem farinha e mamãe não vai gostar do que você fez. 

                    Mas Luíza estava feliz e satisfeita vendo aqueles passarinhos famintos se fartando com seus grãos. Eles pulavam alegremente, pipilando e comendo as sementes com voracidade. 
                    Muito feliz por ter praticado um bem, Luíza entregou o restante de seus grãos ao moleiro, já conformada com a ideia de que levaria pouca farinha para casa. Mas nem se preocupava com o castigo que poderia receber  pelo que fizera.
                    Mas, quando o moleiro voltou com os sacos de farinha para lhes entregar, qual não foi a surpresa  que tiveram; o saco de Luíza estava bem mais cheio que o de Mário. 
                    Vendo o espanto dos irmãos, o moleiro explicou: 
                    - Não fiquem pensando que me enganei! Está tudo muito certo: o saquinho mais leve, mais vazio, e do Mário..., e continuou, não poderia deixar de premiar, com uma porção extra de farinha, esta boa menina que socorreu os passarinhos famintos. Pus no saquinho que ela levará, não um nem dois, mas dez bons punhados a mais da minha farinha. Sabem o que aconteceu comigo ao ver a boa ação desta menina? O bom Deus tocou meu coração e então decidi compensar o sacrifício de Luíza; e tem mais, a partir de hoje eu mesmo irei alimentar esses pobres passarinhos que aqui vem pedir alimento. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

Como São Francisco de Assis, precisamos ter amor e compaixão dos animais. Eles são nossos irmãos menores que fazem a alegria de toda a natureza criada por Deus Cósmico Universal.  
                 LEIA TAMBÉM >>> AS FÁBULAS DE ESOPO

A FORTUNA - por Nicéas Romeo Zanchett


A FORTUNA 
Adaptação: Nicéas Romeo Zanchett 
                  Segundo consta nas lendas antigas, alguns homens que percorriam o mundo em busca de riquezas, desembarcaram numa pequena ilha cheia de pedras preciosas
                 Mal chegaram, e todos se entregaram, com avidez, a colher pedras das maires  e mais belas que encontravam. Chegou um momento em que as bolsas, os baús e caixas que tinham a bordo estavam todas cheias. 
                  Trabalhavam sem descanso, esquecendo-se de tudo.  Dormiram poucas horas e se alimentavam muito mal, sem um minuto de repouso. 
                   No entanto, entre eles, havia um homem que procedia de modo diferente; passava os dias descansando, ora na rede, ora sob o sol da ilha; não pensava em ficar rico e sua preocupação era viver bem, com boa alimentação e muito descanso. Seu único problema era a saudade da pátria, que estava distante e dos países que havia visitado durante a vida. 
                  Quando todos os seus companheiros já estavam satisfeitos, com bolsas, caixas e baús lotados de pedras, voltaram-se para ele e lhe perguntaram: 
                   - E então, não vai buscar sua fortuna para voltarmos logo ao nosso país?
                   Ele não deu resposta, mas, para não ficar ouvindo críticas, saiu da rede e apanhou um punhado de terra que guardou na bolsa que trazia consigo.
                   Em seguida todos embarcaram no navio para ganhar  o mar aberto. 
                   Depois que todos já estavam acomodados, resolveram conferir suas fortunas, adquiridas com tanto sacrifício. Sentaram-se à mesa e cada um ficou a conferir seus achados. 
                   Em então seus amigos perguntaram? 
                   - E você não vai conferir seu punhado de terra? Está com vergonha? Vamos logo! queremos ver sua fortuna. 
                   Então ele sentou-se, tirou o punhado de terra e, diante dos olhos zombeteiros dos amigos, espalhou-o sobre a mesa.  E, diante dos olhos espantados dos companheiros, aparaceu um magnífico brilhante, que, por si só, valia muito mais  que todas as pedras recolhidas pelos outros.
                    A fortuna é como uma fada caprichosa, que costuma oferecer  suas dádivas  a quem menos as espera ou as procura impacientemente. Ela, muitas vezes, prefere quem nada ambiciona, mas sabe amar as belas coisas da vida, contemplando a natureza e tudo o que dá felicidade sem egoísmos. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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A MÃE D'AGUA - D.Emilia Bandeira de Melo


A MÃE D'ÁGUA 
Por D. Emília Bandeira de Melo  
De Lendas Brasileiras 
                     No engenho perdido entre as campinas verdejantes, a sinhazinha da casa emagrecia e definhava, sem mais as cores bonitas que dantes lhe tingiam as faces morenas, sem alegria nem animação, tão languida como uma flor crestada pelo sol. 
                     Uma noite, a preta velha, que a criara aos seus peitos veio ajoelhar-se junto à rede onde ela se balançava tristemente,  e disse-lhe: 
                     - Ah! sinhazinha, o que é que vosmicê tem? Porque não conta à sua negra as penas do seu coração? Quem sabe se ela não lhe dava alívio? 
                     A mocinha cobriu o rosto com as mãos e pôs-se a chorar.  Depois respondeu: 
                     - É um segredo, mãe-preta! Si eu contar, você diz à mamãe...
                     A negra fez com os dedos uma cruz, que beijou, e disse: 
                     - Por esta cruz de Nosso Senhor, eu juro que não conto nada à minha senhora velha. 
                     A mocinha então contou. Todos os dias, pelas ave-marias, uma voz linda, linda, cantava debaixo dos chorões, à beira do açude grande. Ela tivera a curiosidade de ir ver quem cantava assim, e por entre as folhagens um rosto de moço lhe aparecera, tão formoso, com os olhos azuis tão tristes, que logo ela caíra namorada dele. Mas quando se aproximava, a visão fugia, desparecia. E todos os dias era aquilo. Ele cantava, chamando-a, sorria para ela com um sorriso tão magoado, entre os galhos, ao lusco-fusco, mas esvaía-se com uma nuvem, mal ela tentava chegar-lhe ao pé. Nunca pudera ver-lhe o corpo; só aquela cabeça, entre as sombras da tarde expirante. 
                     Ah! minha sinhazinha! interrompeu a preta benzendo-se; Nosso Senhor do Bonfim lhe acuda!
                     Aquilo é o filho da Mãe A'água, que mora dentro do açude grande...
                     - Mãe-preta, morro de amor! quero casar com ele...
                     - Nem fala nisto, sinhazinha! Vosmicê está doida? Aquele moço tem corpo de peixe e mora com a mãe no fundo da água. 
                     A moça porém, tanto chorou e pediu, que a negra acabou prometendo ir consultar o tio João Mandinga no alto do morro, a ver se ele arranjava um remédio.  
                    Ao fim de quatro dias, ela entregou à mocinha um espelho, um pente e uma fita azul. 
                    - Está aí, sinhazinha, que tio João mandou. Parece que a Mãe D'água é toda faceira. Vosmicê mostra o espelho na beira do açude e ela logo lhe aparece; mostre o pente, ela vem falar-lhe; mostre depois a fita azul e prometa dá-la se ela deixar ver de perto o filho, com quem vosmicê quer casar.
                    A moça agradeceu e foi correndo mostrar o espelho às águas do açude, que logo se abriram e deixaram passar uma mulher de rara formosura, mas cujo corpo da cintura para baixo tinha a forma de um peixe. Firmando-se na cauda brilhante de escamas, ela elevou-se acima da superfície da água e ficou a balançar-se indolentemente, com os longos cabelos caídos pelas costas, salpicados de gotas de água que cintilavam ao sol, como diamantes. 
                 Imediatamente, a moça apresentou-lhe o pente e ela veio chegando-se, a nadar docemente; mas à vista d fita azul, que apareceu depois do pente, ela deu um salto, agarrou a moça pela cintura e precipitou-se com esse mimoso fardo no fundo do açude. 
                 A sinhazinha perdera os sentidos, mergulhando; quando abriu os olhos, encontrou-se num palácio todo verde e úmido, por onde passavam e repassavam peixes de toda a forma, olhando-a com grandes olhos vidrados e redondos; e um canto harmonioso feriu-lhe os ouvidos como uma carícia do céu. Reconheceu a voz e voltou-se, encantada, mas apenas deu com a vista no moço, que agora lhe aparecia ali todo inteiro, só homem até a cintura e peixe dali para baixo, como sua mãe, a sinhazinha virou a cara e pôs-se a chorar. 
                 Não! ela não queria casar com aquele filho da Mãe D'água... aquilo não era homem, era peixe. Ela queria voltar para casa de seus pais. 
                  O moço atirou-se ao seus pés, implorando. Os outros irmãos também vieram pedir-lhe que ficasse, senão o outro sofreria tormentos horríveis, porque a amava muito. 
                   Mas a tudo a mocinha respondia não! não!, ela tinha se enganado e queria ir embora. Ouviu-se então um grande rumor e a Mãe D'água surgiu, furiosa, com os olhos vermelhos de cólera. Dirigiu-se à mocinha, que tremia, e disse-lhe: 
                    - Tu repeles então meu filho, não é? Desgraçada! Eu podia matar-te aqui, mas não quero. Teu castigo será lá na terra, onde te hás de sentir-se tão infeliz, que  tu própria é que nos procurarás. Nesse dia, porém, meu poder não te protegerá, e morrerás como todo o mortal que vem ao fundo das águas. Vai!...
                    No mesmo instante, a moça se viu à porta de sua casa,  onde chorava a preta velha que a criara. 
                    - Ah! sinhazinha, venha depressa! sinhô velho morreu esta noite. 
                    Dias depois, foi a mãe da sinhazinha que também morreu, e ela ficou só no mundo com aquele engenho e alguns escravos. Um vizinho veio pedi-la em casamento e a cerimônia teve lugar no dia de Natal; mas, à meia noite, quando os noivos se recolheram, ouviu-se um grande grito que partia de baixo dos chorões e até de madrugada uma voz chorosa cantou à beira d'água, com tamanha tristeza, que fazia dó. 
                   O marido da sinhazinha só se casara por interesse e foi botando fora todo o dinheiro dela. Depois partia para a cidade e lá ficava jogando e bebendo, enquanto ela chorava sozinha no engenho. Um dia vendeu todos os escravos, e a mocinha viu partir acorrentada a sua boa ma, essa negra velha que a criara aos seus peitos. Nessa noite não pode dormir, ouvindo o gritos da pobre preta, arrastada pelo mato. Acocorada na soleira de casa, com os vestidos em trapos, sem ter mais nada que comer, sem escravos que a servissem, sozinha no mundo, viu ela chegar o marido com mais três homens de má catadura. 
                   - Sinhazinha, disse brutalmente o marido, levante-se que esta casa já não é nossa. Vendi-a hoje a estes senhores. A moça deu um grito. 
                   - E agora, marido, onde vou eu?
                   Ele encolheu os ombros. 
                   - Vá para onde quiser e não conte mais comigo que eu me fiz soldado e parto para a guerra. 
                   A moça abriu os braços e saiu por ali a fora correndo, como uma doida. Quando chegou á beira do açude, gritou para baixo, com desespero: 
                   - Mãe D'água! Mãe D'água! cumpra-se o meu fado; aqui me tens!
                   E atirou-se na água. 
                  O moço, que a adorava, recebeu-a nos braços, chorando de dor, mas ela já estava morta quando tocou no fundo verde do açude. 
                   E o seu lindo corpo moreno ficou boiando entre as águas, com os cabelos soltos se transformando pouco a pouco  em longas ervas flutuantes. 
                   Com o correr do tempo, as lágrimas do filho da Mãe D'água, que incessantemente rolavam sobre ela, acabaram por lhe dar a forma duma pedra alvíssima, tendo os contornos dum corpo de mulher.
                 E quem passa pela beira do açude ao cair da noite, entrevê uma vaga aparição fugindo entre os chorões queixosos, o mesmo tempo que escuta doce voz plangente e melodiosa cantando numa toada tão triste, que confrange o coração. 
                  E o filho da Mãe D'água, contando aos ecos da noite a história  da desventurada sinhazinha, que ele tanto amou e jamais esquece. 
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                   BREVE   BIOGRAFIA 
                   D. Emília Bandeira de Melo, foi uma  grande poetisa e escritora brasileira de São Paulo, mas nasceu no Rio de Janeiro a 11 de Março de 1852. Escrevia sob o pseudônimo de Carmem Dolores. Foi uma das escritoras pioneiras na luta pela educação da mulher e por seu valor na vida e no trabalho. Numa época cheia de preconceitos, não teve receio de se posicionar a favor do divórcio. Por outro lado, não se mobilizou pelo direito ao sufrágio feminino. É a única representante feminina da estética naturalista da literatura brasileira. 
                O início de sua carreia de escritora foi motivada pelo prazer de escrever. Mais tarde passou a usar seu talento pela necessidade financeira. Ao morrer em 16 de Agosto de 1910 era a colunista mais bem paga do periódico O País. 
 Suas principais obras foram: "A Luta", livro de estética naturalista que foi publicado pela H.Garnier em 1911. Esta obra tinha sido publicada como folhetim pelo Jornal do Comércio em 1909. Escreveu também os contos: "Gradações"; "Um drama na roça" e "Almas complexas"; além de Crônicas publicadas entre 1905 e 1910. Sua obra importante e também bastante conhecida foi "Lendas Brasileiras", onde escrevia sob o pseudônimo de Carmem Dolores. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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